Uma embraiagem nanotecnológica desengata a cauda do flagelo do motor que lhe fornece a energia de rotação (fonte aqui)
Há muitas espécies de bactérias com dois modos de vida: um em que as bactérias se movem nadando através de propulsão de flagelos rotativos, e o outro modo de vida é séssil em que as bactérias fazem parte de um biofilme. O que acontece quando elas mudam do modo de natação livre para o modo fixo?
"A seguir geralmente acontecem duas coisas. As células param de expressar os genes que codificam os componentes do flagelo, e elas segregam uma matriz pegajosa de polissacarídeos que as mantêm agregadas na superfície. Uma vez numa superfície, a natação pode ser um inconveniente ao invés de uma ajuda, e uma relação inversa entre natação e fixação tem sido observada em muitas e diversas espécies. No entanto, os detalhes moleculares subjacentes a esta detenção na mobilidade não foram inteiramente percebidos. Os flagelos são expelidos ou desmontados? Se não são, eles mantêm-se rodando até que sejam travados pela matriz pegajosa recém-formada?"
Acontece que nenhuma destas possibilidades se aplica. Uma pesquisa recente por Blair et al. demonstrou que há um "dispositivo para desligar a rotação". Este dispositivo utiliza uma proteína especial, a EpsE.
"Para saber se a EpsE funciona como um travão que bloqueia o motor, ou como uma embraiagem que deixa o rotor girando livremente, Blair et al. ligaram as bactérias a um substrato pelos seus filamentos e observaram a rotação dos corpos celulares em torno de motores flagelares únicos. Sob a influência da EpsE, as células pararam de girar, mas continuavam a sofrer movimento browniano de rotação livre, indicando um mecanismo de embraiagem. "
Esta constatação foi uma surpresa:
Pensava-se que as bactérias abrandavam desligando os genes que formam os flagelos, diz Richard Berry, um físico da Universidade de Oxford, Reino Unido, que estuda os motores moleculares.
"Isso é uma coisa completamente desconhecida", diz ele. "Anteriormente pensava-se que os flagelos girariam para sempre."
Fazendo uma retrospectiva, o mecanismo de embraiagem faz todo o sentido:
"A inibição directa da rotação do motor pela EpsE representa um mecanismo de controlo recém-descoberto para a natação bacteriana. Os flagelos bacterianos são grandes complexos de proteínas que requerem cerca de 40 a 50 genes para serem montados. Assim, a vantagem mais óbvia do mecanismo da EpsE sobre o controlo da transcrição dos genes flagelares é a velocidade. Na B. subtilis, apenas uma proteína, a EpsE, tem que ser expressa para parar o motor. Presumivelmente, isso é importante se as células tiverem que parar o seu movimento nas primeiras fases da formação do biofilme. Contudo, as vantagens de uma embraiagem sobre um mecanismo de frenagem não são tão claras. Talvez a livre rotação dos flagelos - ou, alternativamente, a reduzida mobilidade durante a transição para o estado inibido pela EpsE seja importante para a formação de biofilmes bem estruturados. Ou talvez uma embraiagem seja simplesmente mais fácil de fazer do que um travão."
Os pesquisadores comparam a estratégia de desligar a síntese do flagelo com a alternativa da embraiagem, e apresentam uma consideração adicional - a eventual necessidade de reactivar o motor flagelar:
"O flagelo é uma máquina molecular elaborada, durável, energicamente cara, e desligar simplesmente desde o inicio a síntese do flagelo não detém necessariamente a mobilidade. Quando a expressão genética flagelar é inactivada, vários ciclos de divisão celular podem ser necessários para segregar flagelos pre-existentes até à sua extinção nas células filhas. Em contraste, a embraiagem exige a síntese de apenas uma única proteína para inibir a mobilidade. Além disso, se a formação do biofilme é abortado prematuramente, o flagelo desactivado pela embraiagem poderá ser reactivado, permitindo às células evitar o novo investimento em síntese flagelar. Enquanto a expressão do flagelo e sua montagem são processos complexos e lentos, o controle pela embraiagem é simples, rápido e potencialmente reversível. "
A "solução" da embraiagem é, por conseguinte, um mecanismo limpo, efectivo e potencialmente reversível. Os autores descrevem-no como "simples", o que está correcto se o significado é o de que apenas um componente é necessário para desengatar o motor flagelar. No entanto, esta simplicidade conceptual em nada colide com o entendimento deste sistema em termos de informação complexa especifica. Os pesquisadores identificaram um gene epsE responsável por produzir a proteína EpsE a qual está envolvida na transmissão crítica do torque ao flagelo e na remoção da ligação à fonte do binário. A medida da complexidade está na forma única da proteína EpsE e na sua capacidade de intervir na proteína de transmissão do torque de maneira que o binário já não seja transmitido. A equipe está agora "à procura de uma proteína que desengate a embraiagem e torne a ligar o motor". Isso contribuiria para desagregar os biofilmes e poderia conduzir a importantes aplicações médicas. Uma medida da "simplicidade" é a facilidade de se encontrar tal proteína. A minha previsão é que os pesquisadores não irão usar a palavra "simples" para descrever esta fase da investigação. A comunidade científica está bem consciente de que os êxitos das nanotecnologias são alcançados apenas através da aplicação de ciência sofisticada e de engenharia de design inteligente.
Uma Embraiagem Molecular Inactiva os Flagelos no Biofilme da Bacillus subtilis
Kris M. Blair, Linda Turner, Jared T. Winkelman, Howard C. Berg, e Daniel B. Kearns
Science 320, 20 de Junho de 2008: 1636-1638.
Resumo: Os biofilmes são agregados multicelulares de bactérias sésseis cobertas por uma matriz extracelular e são importantes clinicamente como uma fonte de micróbios resistentes aos medicamentos. Na Bacillus subtilis, descobrimos que um operão necessário para a biossíntese da matriz do biofilme também codifica um inibidor da mobilidade, a EpsE. A EpsE detém a rotação flagelar de um modo semelhante ao de uma embraiagem, ao desengatar os elementos geradores de força do motor nas células incorporados na matriz do biofilme. A embraiagem é uma forma de controlo de mobilidade simples, rápida e, potencialmente reversível.
Veja também:
Berry R.M. e Armitage, JP, Como as Bactérias Mudam a Velocidade, Science 320, 20 de Junho de 2008: 1599-1600.
Whitfield, J. Motores bacterianos têm as suas próprias embraiagens, news@nature.com, 19 de Junho de 2008 | DOI: 10.1038/news.2008.903
(por David Tyler)
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